CAUSOS DO TELEJORNALISMO - O RABO QUENTE DO GAÚCHO
Essa foi comigo. O ano era 2002. Eu estava passando uma curta temporada no Rio de Janeiro para redigir e gravar o texto de um Globo Repórter produzido pela RBSTV.
Como sempre faço em viagens, levo meu kit chimarrão, pois sem mate não fico.
Garanti erva pra uma semana, que era ao tempo previsto para concluir o trabalho.
Na redação do Globo Repórter, todo mundo tinha sua “quentinha”, uma panelinha de plástico elétrica que aquecia a comida trazida de casa. Mas não tinha nada pra aquecer a minha água.
Não havia chaleira elétrica nem um mísero fogãozinho de duas bocas no setor. O cafezinho vinha de uma máquina no corredor.
Resolvi aproveitar o horário do almoço e percorrer o comércio do Jardim Botânico, onde fica o prédio da Globo, em busca da minha salvação.
Saí batendo perna procurando por lojas de ferragens na vizinhança. Encontrei uma a poucas quadras.
Pergunto ao vendedor:
- Tem rabo quente?
O sujeito ficou quieto, me olhando muito desconfiado, meio que se afastando do balcão.
- Tem o quê?
- Rabo quente. Sou do sul e esqueci o meu em casa.
A resposta veio brusca, quase agressiva.
- Tem não senhor. Agora me desculpa que tenho que cuidar do estoque.
Virou as costas e saiu resmungando algo incompreensível, desaparecendo por trás da prateleira.
Não entendi a reação do sujeito. Deixei prá lá e retomei minha busca.
Encontro outra loja bem perto. O vendedor grandalhão me recebe todo simpático.
- Às ordens, o que o amigo precisa?
- Salve! Quero um rabo quente!
O sorriso de boas vindas se transforma em cara fechada. Silêncio de novo. Ele parece não saber o que dizer.
Apoia um cotovelo no balcão, a outra mãozona na cintura e inclina o corpo pra cima de mim, desafiador.
- É pegadinha, é? Que porra é essa?
Senti que o clima pesou.
- Rabo quente, eu só quero um rabo quente. Qual é o problema?
Ele me fuzilou com os olhos e disparou:
- Ó o cara aí ó! Qualé a tua merrrmão??
O colega dele, que observava tudo quieto no caixa, tentou apaziguar o vendedor que já vinha pra cima, pronto pra briga.
- Segura a onda aí meu, vai com calma, ó o patrão lá nos fundo da loja!
Só aí que eu me dei conta que a coisa tinha a ver com o “choque cultural” provocado pelo meu gauchês.
- Tchê, te acalma! Eu só tô procurando um rabo quente! Não conhece aquele apetrecho que a gente enfia na água e liga na tomada, pra esquentar??
O vendedor se desarma num um gesto largo abrindo os braços como quem mata uma charada.
- Ahhhhhhh porrra!! O que cê querrr é um ebulidorrrrrrr!
- Um quê?
- E – bu – li - dorrrrrrrrrrrrrrr! Esse troço aqui, ó!
E sacou o bendito rabo quente de uma gavetinha no balcão, dando instruções.
- Cê enfia no bule e ele faishh a água ferrverr. Entra em ebulição, morô?
- É esse aí mesmo, amigo, era o que eu tava procurando pra tomar meu chimarrão.
- Porra meu, eu quase saí no braço contigo! Fala assim não, aqui é o Rio, meu!
Saí dalí bem faceiro - e inteiro - com meu ebulidorrrr novinho em folha e meu mate garantido.