SOBRE DIPLOMA, MILLENIALS E OLIVETTIS
Que tempos, heim?
Está conseguindo acompanhar as mudanças? Está conectado o tempo todo, com tudo ao mesmo tempo aqui e agora? Já postou, curtiu e compartilhou?
Ainda não?? O tempo não para!
Deu uma olhada nos jornais? Ou nos sites de notícias? Ah, claro, a varredura nas timelines do FB consumiu todo seu tempo. E o papo no Whats também se alongou...
É, outros tempos.
Bem, se você repórter, acha que ter diploma já basta pra te salvar do dragão ( passaralho já era nesses dias de Game of Thrones) que aterroriza o mercado da comunicação, melhor correr.
Desde a primeira liminar concedida anos atrás suspendendo a exigência do canudo, a batalha jurídica continua. As empresas de comunicação se dizem fiéis à formação universitária, mas a realidade tem sido outra, todo mundo sabe.
O que importa é que a questão da capacidade profissional vai muito além do debate sindical. O furo é mais embaixo.
Há muito tempo que o diploma deixou de ser garantia de emprego. Também nunca foi um atestado inconteste da capacidade intelectual do seu detentor.
COMO FAZER A DIFERENÇA?
O único fator capaz de distinguir um profissional consistente de um colega medíocre ou coisa pior é a formação pessoal em sua forma mais ampla. O diploma é apenas uma parte disso.
Não basta ser jornalista formado. E também não basta ser um plugado full time.
O repórter tem que ter uma base cultural consistente, construída desde antes da faculdade e que não para de ser reforçada nunca. Uma base apoiada em sólidas fontes dos mais variados campos do conhecimento.
Por isso, é fundamental ver a vida muito além da janelinha cintilante do smartphone.
Qualquer pixel neste nosso cybermundo cada vez mais real e menos virtual sabe que a velocidade dos bits e suas maravilhosas transformações na vida do planeta tem ditado a forma como as pessoas - especialmente os jovens - constroem sua visão do mundo e de si mesmos.
Os conteúdos gerados por mil fontes dos mais variados matizes invadem o dia a dia num ritmo vertiginoso que supera a capacidade humana de lidar adequadamente com tanta informação.
Os gadgets que carregamos no bolso dão a qualquer um o poder de ser gerador de conteúdos disseminados em tempo real, para qualquer lugar, para quem quiser ver e ouvir. E curtir, compartilhar, etc...
É um admirável mundo novo que seduz com suas facilidades infinitas, mas que também pode proporcionar em banda larga uma estreita visão da realidade.
EVOLUÇÃO OU INVOLUÇÃO?
A partir dos anos 80, os jornalistas das gerações Olivetti/Remington (ó gurizada, eram marcas tradicionais de máquinas de escrever) tiveram que se adaptar aos novos tempos.
Era uma inescapável questão de sobrevivência profissional.
Darwin avisou que na evolução humana os sobreviventes não são os mais fortes, e sim os que se adaptam melhor às circunstâncias.
Para os veteranos, o grande desafio foi domar as novas tecnologias, como o computador, edições digitais e outras modernidades. Mas foi uma adaptação basica
mente técnica, como pilotos de aviões a pistão aprendendo a voar em jatos. A essência do vôo continuou a mesma.
Já para os profissionais nascidos a partir dos anos 90, o desafio é outro.
Eles tem assombrosa desenvoltura (para nós, velhacos...) no ambiente virtual e seus mil apetrechos hightech. Parece até que nasceram com aplicativos pré-instalados em seus HDs, digo, seus cérebros.
Mas onde aprenderiam a habilidade para lidar com a informação da maneira que o bom e velho jornalismo exige?
Isso o Google não dá.
Felling, faro, instinto para a notícia e suas nuances, visão de contexto e outras habilidades não podem ser baixados em aplicativos “irados” no app store do seu celular.
As Wikipedias da vida não resolvem a falta de um texto com estilo, consistência e personalidade.
Navegadas intermináveis e sem critério pela web são jornadas à deriva em oceanos de conteúdos suspeitos, onde se destacam as fakenews, “pós-verdades” e milhões de informações confusas em sites e blogs não raro nada confiáveis. Mas que muitos engolem e cultuam.
E no meio disso tudo o pessoal ainda vai deturpando a língua portuguesa, consolidando o dialeto que nasceu com o MSN, os SMS e que segue com o onipresente Whatsapp, sacramentando as expressões monossilábicas e códigos telegráficos, abreviaturas, figurinhas e outros símbolos que, em nome de uma suposta objetividade, sufocam a gramática real.
Muitos e muitos jovens jornalistas, os “millennials” filhos da era web, vivem numa obsessiva cultura de conectividade onde é vital bater ponto nas redes sociais opinando sobre tudo e todos, gerando ou compartilhando todo tipo de informação, para o bem e para o mal. Precisam estar online 24h e se assegurar que o carregador do celular esteja por perto quando a carga acabar.
Seria uma rematada estupidez desdenhar os benefícios da internet, que trouxe o acesso ilimitado e a inegável democratização das informações.
Assim como seria uma estultice querer viver à margem desta transformação que atinge a todos.
Mas para nós jornalistas, é também um grande erro supervalorizar a web como fonte suprema das informações que formam nosso perfil profissional e geram o resultado do nosso trabalho.
Por mais importante que seja esta ferramenta, um jornalista não pode abrir mão das fontes tradicionais de conhecimento e do exercício diário da reflexão e da pesquisa.
É improvável que um repórter consiga desenvolver um texto com personalidade, estilo, classe e densidade sem consumir muita literatura, dos clássicos aos contemporâneos.
Como construir uma base cultural significativa sem ler muitos bons livros (incluindo obras de jornalistas realmente experientes), assistir bons filmes, ir com regularidade ao teatro, galerias de arte, museus...
Como tratar dos mais variados assuntos sem entender o valor da ciência e da história antiga e contemporânea?
Ninguém precisa ser intelectual. Mas neste ofício não podemos nos dar ao luxo da superficialidade e ficar satisfeitos com uma apuração rasteira no Google.
É fundamental ser bem formado e informado, valorizando todos os campos do conhecimento e selecionando as fontes adequadas.
Investir numa sólida formação pessoal é ter consciência do nosso papel como jornalistas e acima de tudo como cidadãos que tem a sublime responsabilidade de informar a população.
É ter noção clara do quando podemos ajudar o mundo quando estamos preparados para isso, e também do estrago que somos capazes de fazer quando agimos irresponsavelmente.