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JORNALISMO, MILITARES E A GUERRA NO RJ

O emprego das Forças Armadas no cerco à favela da Rocinha, no RJ, dá mais uma vez aos jornalistas e aos veículos de comunicação uma grande oportunidade para aprender e agir com responsabilidade na sua missão de informar a sociedade.

Num país em crise profunda econômica, social e institucional, é natural que cresça na sociedade o clamor por ações que extirpem o medo entranhado de norte a sul por conta da violência e da impunidade.

O que acontece no Rio de Janeiro é a imagem superdimensionada do que já acontece em outras regiões do país.

A tragédia carioca com seus enclaves selvagens e independentes e cada vez mais mortíferos nos morros e periferias é a advertência para todas as outras capitais e grandes cidades brasileiras. Uma nova e sombria versão do chamado efeito Orloff, aquele do comercial de vodka na tv que falava de ressaca alertando “Eu sou você amanhã!”

A questão aqui é alertar os jornalistas de que não se pode deixar levar pelo desespero da população e atropelar a qualidade da informação.

E parafraseando o grande jornalista Carlos Wagner, aqui me dirijo especialmente aos repórteres mais jovens. Profissionais que ainda não conhecem em profundidade a natureza e a função de algumas instituições. Entre elas, as forças armadas.

EXÉRCITO NÃO É POLÍCIA

É fundamental entender que o emprego dos militares não é simplesmente lançar mão de um recurso definitivo pra resolver a questão. Reportagens que situam as forças armadas como a mão de ferro que faltava para esmagar de vez o tráfico e o crime organizado só levam o povo a alimentar a ilusão de que basta fazer os tanques subirem os morros, passar o rodo e acabou.

Qualquer um gostaria que fosse assim. Muita, mas muita gente mesmo pensa que é assim e espera fervorosamente que isso aconteça. E reclama que as autoridades são frouxas por não mandarem as tropas em massa invadirem os morros e eliminar os traficantes para libertar o povo.

Só que isso é uma concepção totalmente fora da realidade. E nós jornalistas não temos o direito de nos deixar contaminar por este sentimento.

Temos sim a obrigação de explicar que, no mundo todo, desde sempre, exércitos são treinados e equipados para enfrentar outros exércitos. Nas guerras as ações são deliberadamente devastadoras, pois o que importa é arrasar o inimigo e sua capacidade ofensiva, usando o maior poder de fogo possível, sem chance de revide.

Você consegue imaginar uma coluna de tanques subindo o morro e lançando uma infernal barragem de fogo com canhões, foguetes, metralhadoras pesadas e outros armamentos criados para aniquilar toda e qualquer resistência?

Consegue imaginar o efeito disso naquele amontoado infinito de comunidades apinhadas nos morros, com milhões de habitações e centenas de milhares de pessoas inocentes circulando naquele inacreditável labirinto de vielas e becos estreitos?

Já tivemos uma excelente oportunidade para avaliar a eficiência das ações militares contra o tráfico nos morros cariocas, quando foi criada a Força de Pacificação, a partir de 2011.

O efeito inicial foi realmente impactante e positivo. Os traficantes foram expulsos de áreas convulsionadas como o Complexo do Alemão, a ordem foi restaurada e com ela veio uma sensação de segurança que há décadas não se sentia nas comunidades dominadas pelos traficantes.

Mas desde sempre se soube que seriam ações temporárias, apenas um choque intenso que limparia o terreno abrindo caminho para as verdadeiras transformações.

O território reconquistado pelos militares deveria ser devida e imediatamente ocupado pelo poder público, levando ás comunidades os serviços que foram negados por décadas: saneamento, saúde, habitação, etc. E uma estrutura policial vigorosa, presente em toda parte com instalações bem guarnecidas, com policiais em grande número e bem armados.

Uma das primeiras lições é que as UPPs não funcionaram. Foi uma boa idéia aplicada de forma totalmente ineficiente. Enfiados em containeres de lata no meio da favela, grupamentos com meia dúzia de policiais viraram patinhos de tiro ao alvo para os traficantes que retornaram com seus fuzis e sub-metralhadoras.

Essa foi outra constatação, que era previsível pela inépsia do Estado: o tráfico reassumiu o controle do território pouco tempo depois das forças armadas devolverem as áreas ao poder público do RJ. E hoje está muito mais forte e organizado que antes.

Ou seja, se o Estado não assume com dedicação e real autoridade o cuidado pela população nestas áreas, garantindo estruturas permanentes e eficientes de segurança , saúde, educação, trabalho, saneamento e tudo mais que assegure uma condição digna de vida, não adianta ficar soando o clarim no quartel toda vez que o bicho pega.

As tropas funcionam muito bem para o choque inicial e para ações de contenção periférica, como barreiras nas principais vias de acesso e algumas táticas pontuais de apoio às ações das polícias militar e civil, que são os que realmente conhecem o território e o inimigo lá instalado.

Fora isso, é papo de filme. A realidade é bem diferente.

E realidade é a matéria prima do jornalista.


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